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Qual crise?

Estas são conversas de um país que, estando em crise, vive apesar dela. Neste espaço fala-se de um Portugal que ainda consegue ser belo, de um GoCar feito playboy e de uma viagem que sempre quis fazer.



Sexta-feira, 30.11.12

De Coimbra a Condeixa-a-Nova

Aqueduto em Conímbriga - Condeixa-a-Velha 

 

São várias as ribeiras que invadem a vila, que nem veias num antebraço, deixando ao homem que a quisesse habitar uma necessidade óbvia de lhe adaptar uma arquitectura popular que conseguisse conviver com isso. As casas de Condeixa-a-Nova, não raras vezes, constroem-se em cima da água, o elemento que menos escasseia aqui no burgo. Nas suas paredes vêem-se as marcas pretas deixadas pelas alturas em que os riachos chegam mais alto. Há portas cunhadas nas fachadas que parecem absurdas no objectivo, por darem para lado nenhum. 

Muitos foram os que aproveitaram os fluxos fluviais para se transformarem em moleiros e conduzirem cadeias de água através de moinhos subterrâneos, vulgarmente chamados de azenhas, para reduzir ao ínfimo o trigo e o milho. É, por isso, mais que explicável a devoção de Condeixa-a-Nova pela sua padroeira, Santa Cristina, que segundo se diz foi morta no mar com uma mó de moinho atada ao seu corpo, a pesá-la para o fundo - podemos aliás encontrar mais resquícios desta devoção em nomes de localidades em torno da cidade de Coimbra, sendo a Póvoa de Santa Cristina a mais representativa disso.

 

Fórum romano parcialmente reconstruído - Condeixa-a-Velha

Maquete do Fórum e Templo romanos - Condeixa-a-Velha

 

Conímbriga vale a pena. É cara mas percebemos que damos o dinheiro para a tratarem bem. Tenho sempre o pé atrás com achados arqueológicos. Sem querer parecer básico, mas sendo-o, a verdade é que por vezes aquilo a que chamam de ruínas não passam de escavações a exibir chatice. Principalmente porque ninguém se dá ao trabalho de explicar o que as pedras que vemos têm para dizer. Em Conímbriga dão-nos uma aulas de cultura romana. Percebemos o que era uma cidade ordenada por Roma, imposta como matriz civilizadora de tribos indígenas que já cá viviam antes. As reconstituições estão bem feitas, com detalhe, sobretudo os mosaicos que se criavam para os pavimentos e que inspiraram uma das grandes obras humanas da cultura portuguesa - a calçada. É verdade que a influência da calçada portuguesa tem boa percentagem de árabe, sobretudo na parte ornamental, mas a sua génese é esta, a do encaixe de pedras romano, e só não vê isso quem não quer.

É a velha treta de não se conseguir apreciar o que é nosso. Nem é bem isso. É mais o facto de, por ser nosso, desligamos-lhe a atenção, como qualquer miúdo faz com um brinquedo que lhe nasce nas mãos. Uma das coisas que me faz andar por Lisboa, e ando mesmo muito, até vários quilómetros por dia, é todo aquele livro que desfolhamos por baixo de cada pé. Olhamos para a frente à procura de um brilhante que chame a atenção e nem sequer nos apercebemos do ouro que pisamos no passeio.

 

Pavimento em mosaico romano - Condeixa-a-Velha

Pavimento romano, muito similar à nossa calçada - Condeixa-a-Velha

 

É muito interessante ver como a cidade romana do primeiro século não é de todo diferente da actual. Existia um planeamento urbano classista, que bem se vê nas casas aristocráticas, maiores, com dez vezes mais divisões do que moradores, Existia um comércio de primeira, que se posicionava nas artérias principais da cidade, e lojas de segunda, que se amanhavam num buraco qualquer. Extiam praças centrais, os fóruns, de onde partiam e terminavam todas as ruas. Existia o templo, primeiro dedicado a divindades romanas, depois a cristo, mas sempre no coração da civilização, para que ninguém o esquecesse. O esqueleto citadino desenhado pelos romanos virou papel químico para qualquer outra organização urbana posterior. É assim que saio de Conímbriga, com a certeza de que, ao olhar para ela, só a vejo antiga por uma questão estética e tecnológica. Porque tem pedra e não cimento. De resto, é tão actual como o último i-phone e mais os que ainda estão para vir. 

 

Moradias sobre a ribeira - Condeixa-a-Nova

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por Ricardo Braz Frade às 21:29


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