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Estas são conversas de um país que, estando em crise, vive apesar dela. Neste espaço fala-se de um Portugal que ainda consegue ser belo, de um GoCar feito playboy e de uma viagem que sempre quis fazer.
Castelo - Póvoa de Lanhoso
Santuário de São Bento - São Bento
A descer o Gerês rumo a norte, depois de Vieira do Minho e fugindo às nacionais perpendiculares que vão até Braga, vemos um monte arredondado, ornamentado por mão humana com um castelo no topo. No sopé anda quem lá vive, na Póvoa de Lanhoso, terra do ouro. Provavelmente uma herança da cultura castreja - amanhã tratarei de ir a este assunto -, o trabalho de joalharia dos lanhosenses faz-lhes o código genético. Aqui e em Gondomar está muito do nascer da filigrana, commumente vista no noroeste português, sobretudo como acompanhante dos trajes tradicionais da mulher vianense e nas suas massivas festas de Agosto à Senhora d'Agonia. Dizia-se um provérbio, até, em que para a missa se devia levar o que se pudesse, e para a festa tudo o que se tivesse. Daí que as meninas de Viana, e em geral do Alto-Minho, quando trajadas para a festa ou para o casamento, usem um museu ao peito.
Esta relação do Minho com o ouro - o metal sublime, correspondente à última etapa da consumação espiritual - tem camadas de segredos em cima, e entra quase nos domínios da antropologia. Uma delas, mais óbvia, mas não menos interessante, é a da exibição de posses, a da hierarquização, tão enraizada na antiga sociedade minhota. Outra, menos convencional, é todo o valor simbólico que algumas formas lunares e solares dos amuletos de ouro carregam, ora à fertilidade, ora à fidelidade, ora à protecção do mal. Tome-se o exemplo dos brincos de ouro que, acreditava-se, protegiam o orifício do ouvido da entrada de maus olhados. É curioso notar que as correntes feitas neste material têm tradução em significados como a honra, a dignidade, o respeito e a riqueza. Todos eles valores altamente caros ao pensar do homem e da mulher do Minho.
É nestas coisas que o folclore português me põe a dar cambalhotas e a fazer o pino. Querer conhecê-lo bem é ir ao fundo do mar, sem medo, porque o que está à vista dos olhos é só iceberg. E se se derem a esse trabalho, perceberão o mesmo que eu, que acabaram de abrir um livro que é um page-turner sem igual.
Alameda de São Dâmaso - Guimarães
Largo do Toural - Guimarães
Vim o tempo inteiro do que restava da etapa de hoje a pensar num excelente restaurante que encontrei no centro histórico de Guimarães, no passado Verão. Lembro-me bem das carnes e peixes que lá comi, e dos vinhos que enrolavam o sabor dos pratos. Um dia perfeito também pode ser passado sentado, só a conjugar o verbo beber e comer, desde que haja companhia, nem que seja de um jornal. Estacionei o Dinis, que deu bem nas vistas no meio deste trânsito internacional que Guimarães se tornou este ano, como capital europeia da cultura. Dei com a porta fechada de um restaurante, com uma folha A4 colada à porta de entrada, a mostrar o protesto de dia 19 de Novembro com o aumento do IVA. O a seguir, encostado ao primeiro, idem, em protesto. Continuei. Todos os bares do Largo de Santiago, onde passei depois, fechados. Caminhei até ao que tinha em mente, à espera do pior, com a mesma lânguida esperança de sportinguista, e confirmou-se: fechado. Não pode, pensei, não pode pá, logo hoje, logo num dos únicos sítios em que fazia questão de lhe sentir os talheres. É azar, chegar ao centro cultural que 2012 entregou à cidade berço e levar com isto. Tenho esperança num bom tasco, à antiga, que me salve a noite. Caso contrário tenho esperança numa boa aguardente, velha, que ma faça esquecer.
Praça de São Tiago - Guimarães
Largo da Oliveira - Guimarães
Gosto muito da cidade de Guimarães. Deverá ser das minhas três favoritas do país. Lisboa e Porto são referências, por muito que sejam uma escolha fácil que qualquer leigo que tenha dado meia volta de três dias a Portugal se lembraria de dizer - é um pouco como apontar os Beatles como banda favorita, mas não há outra forma de fazer a coisa: os Beatles eram mesmo muito bons, e Lisboa e Porto também. O terceiro lugar estaria reservado a Guimarães ou Coimbra. Mas começo a pensar em Guimarães e nas vinhas do verde aqui ao redor, e em como não há nada como um bom vinho verde, gelado até ao limite do termómetro, a encher-me a língua de acidez gaseificada, como se estivessem a fazer fogo de artifício dentro da minha boca. Começo a pensar em Guimarães e nesta emoção irracional que têm com o clube da cidade, o Vitória, que é um caso de estudo, e que para mim deveria dar exemplo a qualquer outra pequena urbe. Começo a pensar em Guimarães e neste poço de bondade arquitectónica que é o seu centro, de casas esbeltas e a dar a volta ao cardápio das cores, e para lá delas o Paço dos Duques, impecável edifício monárquico, e para lá dele o castelo, tão limpo e maquilhado que poderia passar a palácio. Começo a pensar em Guimarães e nesta má vizinhança apaixonada que têm com a sua capital de distrito, arqui-rival de tempos infundados, que leva a que haja pessoas que me segredam ao ouvido que nasceram em Braga e que pedem logo de seguida que eu lhes faça o favor de não contar a ninguém. Começo a pensar em Guimarães e concluo que sim, pois então, é Guimarães. Não há outra igual. Não há outra sequer parecida. Há Guimarães.
Centro histórico - Guimarães
Paço dos Duques - Guimarães
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