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Qual crise?

Estas são conversas de um país que, estando em crise, vive apesar dela. Neste espaço fala-se de um Portugal que ainda consegue ser belo, de um GoCar feito playboy e de uma viagem que sempre quis fazer.



Quarta-feira, 31.10.12

De Penamacor a Monsanto

Dinis até Monsanto - São Pedro de Vir-a-Corça

Junto à Capela - São Pedro de Vir-a-Corça

 

Foi na Casa de Nossa Senhora do Incenso que adormeci. Na entrada, aquecem uma braseira numa mesa redonda antes de nos irmos deitar, para fazermos sala com eles. Conversa-se bem. Dorme-se melhor. É uma casa de família que arrenda quartos. E tem bolachas caseiras à hora do pequeno almoço. E faz compotas de fruta e legumes: de cereja, de amora, de ameixa, de figo, de morango, de tomate, de uva. As que provei, valiam a estadia. Falou-se da terra, da terra mesmo, a que dá sustento. Devia ser mais tema de mesa, a terra. Na cidade falo do que comprei, assunto interessante e mais que válido, mas recorrente. Gostava de poder dizer mais sobre uma coisa que tinha plantado e visto crescer. Qualquer coisa que me tirasse da relação monossilábica que tenho com um supermercado. Eles falaram disso, da apanha da azeitona, dos olivais e das hortas, e de como um país que não planta não colhe.

Saí da casa com v de volta. De novo à estrada que fiz ontem. Para sul.

 

Eu e a Gruta do Amador - São Pedro de Vir-a-Corça

Ponto de oração - Relva

 

Até ao Monte Santo. Até Monsanto. 

Antes de lhe ir ao osso, a chamada Vila, é obrigatório virar para Vir-a-Corça. Monsanto não é um, são vários. Tem aglomerações. Vir-a-Corça é uma delas, no sopé da elevação granítica. O nome encanta - vir a corça.

Vou-me à lenda que lhe deu o nome. Houve uma matrona que, vendo-se aflita pelas dores do parto, se esqueceu dos seus deveres de católica, proferindo uma praga que apelava aos demónios para levarem o feto assim que ele saísse à luz. Assim aconteceu e o bebé foi carregado por seres demoníacos mal nasceu. O ermitão que cuidava do parto, Amador de nome, fez aí uma oração a São Pedro para que ele intercedesse e lhe devolvesse a inocente criança recém-nascida. São Pedro fê-lo. O ermitão Amador, contudo, depois de receber a criança, não tinha meios para a sustentar. Apareceu então uma corça que benevolamente ofereceu os seus peitos para lhe dar o leite da sobrevivência, duas vezes por dia, pela manhã e pela tarde. Ambos cresceram e morreram aqui, onde o monte começa a formar planície. Passámos então a chamar este espaço São Pedro de Vir-a-Corça. Um lugar santo, realmente, a deixar mais perguntas que respostas. As lajes que se encontram na Capela, no entender popular, são as de Amador e do bebé que foi salvo, já crescido. Ainda hoje alguns agricultores retiram terra da campa correspondente à do ermitão porque acreditam ser eficaz contra o pulgão das searas.

É pertinente fazer notar que, tal como o javali, a corça sempre foi um animal adorado por tribos lusitanas. Era, por assim dizer, uma metamorfose dos Deuses - Sertório caiu nas boas graças lusas por fingir que uma corça lhe dizia segredos. Não deixa de ser interessante, como tal, ver que é uma corça que aqui faz o milagre. Se já vem de tão tão longe, é especulação, mas também é disso que vivem os mitos.

E volta-se a subir. 

Até ao Monte. 

Até ao Monte Santo.

Até Monsanto.

 

Largo da igreja - Monsanto

No topo de vila - Monsanto

 

Depois, subindo, passando Relva, e chegando à vila, lá vem ele, embrulhado em rocha e despido de ornamento. Monsanto escreve-se na pedra, no sentido literal. É fácil imaginá-lo, a crescer, se pegarem em areia molhada do mar da praia e a deixarem escorrer entre os dedos, montando uma cidade improvisada de pequenos blocos, uns em cima dos outros. Monsanto é isso, em granito. Parece estar tão encavalitado sobre e sob si próprio que se um Deus qualquer lhe tirar uma pedra ao acaso ele desmorona-se, em dominó, encosta abaixo. É difícil dizer se foi a pedra a fazê-lo conhecido ou se foi ele que deu fama à pedra. É difícil, aliás, dizer o que seja. Se se procura química entre o homem e a natureza o melhor é estacionar. Procurar mais estradas é só perder tempo. As casas não são casas, pelo menos não no sentido que os mortais lhes dão. São fendas cavadas na rocha, e o musgo é papel de parede. E lá em cima, intocável, o castelo. E a igreja. Rochosos e rachados. Há contos de fadas que não têm esta beleza. Santificado seja o vosso monte, Monsanto.

 

Amanhã dedico-lhe outras palavras e outras imagens. Hoje é para sair.

 

A vila - Monsanto

A vila II - Monsanto

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por Ricardo Braz Frade às 19:46


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