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Qual crise?

Estas são conversas de um país que, estando em crise, vive apesar dela. Neste espaço fala-se de um Portugal que ainda consegue ser belo, de um GoCar feito playboy e de uma viagem que sempre quis fazer.



Segunda-feira, 29.10.12

De Vila Velha de Ródão a Idanha-a-Nova

Depois do alentejo - Parque do Tejo Internacional 

Gado - Parque do Tejo Internacional

 

Hoje fui mandado parar pela segunda vez. 

A primeira foi há cerca de uma semana, pela polícia. Não falei dela, mas aproveito o embalo para a anotar agora. Estava a tirar fotografias ao castelo de Terena e um carro da Guarda Nacional Republicana passa por mim, vindo do sentido contrário. Vi-lhes a desconfiança quando olharam para o Dinis de alto a baixo. Travaram uns trinta metros à frente e deram meia volta, novamente na minha direcção. E ligaram o giroflex. Escrever giroflex é giro mas ainda melhor é lê-lo. Soa a aparelho de ginástica vendido em canais de televisão depois das quatro da manhã. Mas, atenção, não estou a brincar: eles ligaram mesmo o giroflex, que eu bem vi as luzes azuis a andar à roda. Devem ter temido que eu metesse prego a fundo no Dinis e fosse a duzentos até Espanha, onde já não me podiam caçar. De resto, em conversa, depois de encostarem, foi o costume: continência, pode-me facultar a documentação, pois ora muito bem, tudo em ordem, bela viagem e boa viagem, tem de ir a Monsaraz que é muito bonito, pode seguir, continência.

A segunda, como estava a dizer antes de me fazer interromper pela primeira, foi hoje, por um leitor. Nunca pensei ser mandado parar por um leitor. Uma mulher, uma vez, fez-me parar o carro, aqui há uns dois anos. Era ruiva, tinha sardas e tinha ar de fazer covinhas com as bochechas. Tive de estacionar. Até teve direito a travão de mão. Mas um leitor, nunca. Vinha num a descer uma estrada no Parque do Tejo Internacional, em direcção a Alfrivida, e foi-me repetindo um gesto com a mão de fora, que habitualmente traduzimos para tem calma contigo ou abranda-me lá isso. Assim que nos cruzámos, puxei o ferro aos travões. Sem querer romancear, olhei para ele, e ele para mim. Disse:

- Eu leio o blog, eu leio o blog.

Fiquei parvo.

- Lê o blog?

- Leio, leio - e à medida que falava e tirava fotografias, a mim e ao Dinis, mais ao Dinis que a mim, pareceu-me.

- Mas como é que deu com ele?

- No Sapo. Vi-o no Sapo.

Foi bom.

Chegou a ser útil, pelas indicações que me deu, até Monforte da Beira. Virei primeiro à esquerda e depois à direita e depois em frente, tal como ele me disse. Resultou: Monforte.

 

Alentejo e Beira, lado a lado - Monforte da Beira

Igreja de Nossa Senhora da Graça - Senhora da Graça

 

É justo dizer que, tal como o Parque de São Mamede é uma fatia de Beira no Alentejo, também o Parque do Tejo Internacional é um pedaço de Alentejo na Beira. Volta o chão flat, sem saliências, seco e a espremer oliveiras e azinhos para fora dele. Este registo mantém-se até chegarmos à Falha do Ponsul, uma parede que se eleva na planície, e desenha uma linha escabrosa, de Oeste a Este, que começa na serrinha do Arneiro e vai até à fronteira, às Termas de Monfortinho. Se pegarem num mapa do país, o medirem de baixo a cima, dividirem por dois, e traçarem uma linha que o cruze, terão mais ou menos este resultado que explico, e que acaba por o separar no lado interior, da forma mais natural possível. É um socalco gigante, se preferirem, a partir do qual, subindo-o, começamos a ver a Beira que as fotografias de calendário nos mostram nas cidades. Como é que se sabe? Sabe-se, sem serem precisas placas de beira de estrada ou velhinhos a contarem-nos como era dantes. A pedra entra na rusticidade das vilas. A casa de xisto ou de granito deixa de ser uma curiosidade para passar a ser uma constante. É uma fórmula que se aprofunda, à medida que se vai para norte, e que lá no extremo cimo, em Trás-os-Montes, atinge o ponto de rebuçado. A mesinha de cabeceira deste novo Portugal que se abriu hoje é Idanha-a-Nova. Uma surpresa. Positiva.

 

Largo da igreja - Idanha-a-Nova

Falha do Ponsul - Idanha-a-Nova

 

Trata-se da velha conversa das expectativas: quando são baixas, a haver notícias, só podem ser boas. Sendo franco, na minha ignorância, não esperava uma pérola de Idanha-a-Nova. Talvez por contar com um lado mais urbano, escarrapachado na zona nova da vila, seja facilmente ofuscada por exemplos maiores como Monsanto ou Idanha-a-Velha, paradigmas da aldeia rústica portuguesa. É maior do que as vizinhas, e como tal, sofre do estigma de ser menos pura. Mas depois de horas a pé, quando dei conta, estava a tomar-lhe o gosto. Não tem só a ver com a tradição das adufeiras, que tanto gosto de ouvir nos discos dos Ronda dos Quatro Caminhos, porque essas também as há em redondezas próximas. Idanha-a-Nova tem um perfume moderno, e um bocadinho disso, conceda-se, rompe a monotonia. Vive-se nela em dois compartimentos, como se a separássemos por gama de produto: junto à penha, a parte antiga, de tascos curtos e concisos; mais acima, a parte nova, com casas largas, hipermercados e restauração com multibanco. E goza de estar num décimo andar, do qual, subindo as escadas no largo da Igreja Matriz, temos uma ampla vista de onde podemos acenar ao Alentejo. Se quisermos Beira, é virar costas e seguir vila adentro. 

 

Fórum - Idanha-a-Nova

Painel de azulejos no café "Os Morgados" - Idanha-a-Nova

Autoria e outros dados (tags, etc)

por Ricardo Braz Frade às 21:55


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