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Qual crise?

Estas são conversas de um país que, estando em crise, vive apesar dela. Neste espaço fala-se de um Portugal que ainda consegue ser belo, de um GoCar feito playboy e de uma viagem que sempre quis fazer.



Domingo, 21.10.12

De Monsaraz a Évora

Rocha dos Namorados - São Pedro do Corval

Cruz esculpida na Rocha dos Namorados - São Pedro do Corval

 

Deixar Monsaraz para trás não tem de ser mau se formos ao encontro dos roteiros do megalítico. Eu acabei por ter de escolher apenas um ponto de visita, no caso o que acho mais interessante de se falar. Na estrada que desce a encosta do castelo e se dirige para São Pedro do Corval há, poucos metros antes de se entrar na vila, a conhecida localmente como Rocha dos Namorados. É um volumoso calhau granítico, achatado em cima e com uma forma que lembra a de um cogumelo. Parece pequeno ao longe mas aumenta consideravelmente com a aproximação. Pelas contas que fiz a olho, deverá ter cerca de dois metros e meio. 

A pedra está ainda hoje ligada a rituais ancestrais, associados à fertilidade: é aqui que vêm as miúdas solteiras, na altura das festas da ressurreição - época fecunda, do despertar da natureza, bem simbolizada no ovo da Páscoa -, e, de costas para a rocha, atiram-lhe uma pequena pedra para cima. Por cada lançamento falhado, aumenta-se em um ano a espera para o casamento. Dá para ver que há muita mulher casada nestas freguesias pelo número de pedregulhos que se aguentam no topo da rocha.

Se a contornarmos vemos que, presentemente, na parte de trás, esculpiram uma cruz no granito. Um pequeno verniz que a igreja lhe quis dar para cristianizar um local onde se concentravam algumas manifestações pagãs. Soube agora que as procissões aqui da zona passam também na Rocha dos Namorados, mostrando assim mais um esforço para a sua cristianização.

Partindo do princípio que não sou mulher, resolvi, ainda assim, fazer o teste do casamento. Se os Deuses me derem a abébia e concederem a adivinhação a um elemento do sexo masculino, posso então dizer que tenho dois anos de boa vida e no ano de 2014 desposarei alguma menina que me venha na rifa do destino.

 

A caminho de Évora - Reguengos de Monsaraz

Igreja de Santo António - Reguengos de Monsaraz

 

A estrada até Évora tem pouco sobressalto. Vale um parágrafo muito curto. É raro avistar uma aldeia ou vila. Há Reguengos de Monsaraz, que me deu a bomba de gasolina que precisava. A igreja que está na praça central é esquisita. Faz cem anos agora e tem pouco ou nada a ver com o alentejo. Não percebi bem se era uma versão contemporânea da arquitectura gótica. Olhei para ela e pensei em como a poderia ver num país nórdico qualquer, mas não ali. É tão fora que parece que estou a andar numa charneca alentejana e quando olho para o lado está uma girafa a mirar-me por cima de um sobreiro. Não é feia, de todo. Mas arrisca muito. É um desajuste, é isso, um desajuste. Fora ela, até Évora vai-se quase em ponto morto.

 

Catedral - Évora

Praça do Giraldo - Évora

 

Eu gosto de Évora mas ela não é exactamente o que procuro nesta viagem. Évora vem nos telejornais e eu quero coisas que não venham nos telejornais. Paciência. Escrevo sobre o onde, e estando cá, não me aventuro em textos de fora daqui. 

Há dois máximos nesta capital de distrito, bem próximos um do outro. Um é o Templo de Diana, imperial. O outro é a Sé, ou Catedral, como também é conhecida, inexplicável.

Do primeiro já se sabe muito. É talvez o melhor exemplo que o país tem para dar como justificação de que os romanos estiveram mesmo cá e pensavam de certa forma. A noite assenta-lhe bem, com focos de luz a darem-lhe uma aura devida, divina. Ao contrário daquilo a que é muitas vezes associado, a relação com a Deusa Diana é relativamente recente, e tem origem nos contos e no folclore da lenda que lhe mudou o nome. A malta germânica que invadiu a península, Visigodos na sua maioria, era gente sensível e pacífica e resolveu destruir grande parte dele. Hoje vemos apenas um quinhão do que o Templo uma vez foi.

Do segundo sabe-se menos. O panfleto que nos entregam lá dentro fala-nos do desenho da catedral e da estrutura do claustro. Tudo muito limpinho e factual. Data em que foi edificada, recuperada, nomes dos responsáveis, objectos importantes, enfim, imparcialidades pouco discutíveis deste tipo. No meio de tanta letra junta a única coisa que achei digna de menção foi a parte do órgão de tubos, espirituoso, e disposto bem acima do chão. Quando olho para uma obra como é a Sé de Évora quero ser levado para lá do que estou a ver. Nada do que li por lá faz isso. Mas se vier cá fora e espetar os olhos na fachada principal ou sobretudo na do claustro, entro no mundo dos mistérios, que é o único que deveria contar como verdadeiro. As gárgulas, esses demónios lembrados de Notre-Dame, mas que em Portugal há bateladas que merecem interesse, são profundamente assustadoras. Uma delas sai disparada em corpo esquelético, enigmática, horrorosa. Muitos destes seres fantásticos destacados em igrejas e ermidas têm uma função quase pedagógica, que através da sua imagem grotesca se apresentam ao povo como forma de não cometerem determinado pecado. Esta, pelo que me pareceu, não tinha qualquer intenção de educar quem quer que fosse. Está cá para meter medo e ponto final, parágrafo, travessão. O pior é que consegue. 

 

Templo de Diana - Évora

Gárgula - Évora

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por Ricardo Braz Frade às 22:02


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