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Qual crise?

Estas são conversas de um país que, estando em crise, vive apesar dela. Neste espaço fala-se de um Portugal que ainda consegue ser belo, de um GoCar feito playboy e de uma viagem que sempre quis fazer.



Domingo, 07.10.12

De Coruche a Vendas Novas

Quartel de bombeiros pela noite - Coruche

 

Forcados Amadores de Coruche. São eles que vão para as lembranças da terra. Não esqueço a noite e tampouco as pessoas - o Mário, o Víctor e o Ricardo - que ontem se juntaram no restaurante "A Tasca" e dali me convidaram para a Associação de Forcados, enquanto eles iam atirando cervejas loiras e eu cervejas pretas goela abaixo. Falaram de rivalidades Ribatejanas comigo a explicar que turras dessas há em qualquer sítio. Basta porem duas aldeolas diferentes num espaço de um hectare e a competição aparece, como o sol no dia e a lua na noite. Continuam:

- Os de Salvaterra é que não falam com ninguém. Acham-se diferentes. Têm a mania que são monárquicos.

Aparece outro, o Ricardo:

- Quem é que falou em Salvaterra, pá? Alguém disse mal de ti em Salvaterra? Se for preciso vou lá...

- Ninguém falou mal de mim em Salvaterra. Aliás, não vi uma única alma da minha idade por lá - respondi.

O Ricardo saía e tornava ao balcão, de cinco em cinco minutos, ainda não sei para quê. Voltou o Víctor a pegar na conversa:

- Este tipo - a apontar de palma esticada para o Ricardo -, é um puro. Diz estas coisas mas não faz mal nenhum. Não tem maldade alguma nele.

Entrou, mais ou menos por aqui, um terceiro, o Mário, da Associação de Forcados Amadores de Coruche. Falou-se de cinema e mais umas botas. Estive na Tasca umas boas seis horas e não deu para correr outros restaurantes que tinha previsto. As boas noites são estas, que correm tão melhor quanto mais fugirem ao esperado. A noitada do combinámos uma coisa no x mas afinal fomos parar ao y são excepcionais, no sentido mais restrito da palavra: são excepções, e boas excepções. 

 

 

Mesa com padrão da jaqueta na Associação de Forcados de Coruche - Coruche

 

Convidaram-me para ir beber um copo à Associação. Lá, disse-me o Mário, ninguém me faz mal. 

Ainda fiquei uma boa hora naquele bar de gente aficionada mesmo na lateral de fora da Praça de Toiros. O Ricardo saiu e regressou passado uns minutos novamente. Foi à cervejaria Cubata, segundo eles, a igreja, por ter mais fiéis do que os espaços eclesiásticos de Coruche. Volta o Mário:

- Isto dos forcados serem os maiores não é bem assim, pá. Todos os que conheço vão à casa de banho antes do pulo para dentro da arena. Sabes o que faz um forcado ir à casa de banho? O medo. Os forcados têm medo, não duvides disso. O que faz um tipo destes agarrar-se tão bem aos cornos do toiro sem nunca o largar é o medo de levar com ele caso o largue.

Continua o Víctor:

- Já tive um toiro tão grande a vir para cima de mim que eu, e olhando ninguém acredita, subi para o tronco de um sobreiro como nunca achei que conseguisse.

Confirmei e intelectualizei que era natural. A bravura vem de haver medo. O silogismo é simples: só é bravo quem enfrenta o medo, quem não tem medo sequer, não pode ser bravo. Ou por outra, em jeito de exemplo pessoal, eu não sou bravo por andar de barco porque não tenho fobia ao mar. Mas sou um super-herói ao andar de avião porque tremo todo quando lá estou em cima.

Despedi-me com pena de não ficar. Fica guardada. E um deles me visite que terá casa e copos do meu bolso. 

 

Almoço no "Sabores de Coruche" - Coruche


Garças e arrozais - Ribeira das Canhas

 

Ainda consegui parar num restaurante com rota gastronómica. O "Sabores de Coruche", atravessando o Sorraia e antes de chegarmos à estrada que segue para Montemor, do lado direito. A entrada dispensava-se mas o prato principal enchia o olho e o corpo. Aba de vaca com batata cozida e couve lombarda. Aprovisionou-me bem. Tinha mais quilómetros para fazer do que em qualquer dos dias passados. A estrada, quando Vendas Novas fica mais próxima, vai piorando, e os altos e baixos dos montes que iniciam o Alto-Alentejo já existem. O Dinis tem-se portado tão bem que até dei o corpo às balas em determinadas rampas mais dóceis, a ver se lhe guardo a pujança para outras, mais hercúleas. 

 

 

Moinho de vento - Vendas Novas


Capela Real - Vendas Novas


Jardim Público - Vendas Novas

 

Estou em Vendas Novas. Não fiz nada. Sentei-me a ver os carros passarem e voltei à estrada para ir às bifanas, o pousio onde muito lisboeta que vai ao Alentejo e muito alentejano que vai a Lisboa se abastecem. Fui às do "Café do Silva" e às do "Café Boavista", que estão cara a cara com a estrada a separá-los. Sem desprimor para o primeiro, as do Boavista são melhores. A manha tem pouco que saber. Esta gente sabe o que é que uma bifana tem de mal: o nervo e a espessura da carne, que na maioria das vezes nos deixa em combate a ver se conseguimos rasgá-la com os dentes ou se desistimos e a pomos toda na boca, ficando com o pão na mão. Sabendo isto, fizeram o que era preciso para que não acontecesse: escolhem carne boa, sem nervo, que é martelada e batida até ficar numa fatia pouco mais grossa que uma de fiambre. Junte-se mostarda em quantidades desavergonhadas e temos uma delícia bruta, em bruto.

 

Rua das bifanas - Vendas Novas


Tertúlia veterana - Vendas Novas

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por Ricardo Braz Frade às 21:22


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