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Estas são conversas de um país que, estando em crise, vive apesar dela. Neste espaço fala-se de um Portugal que ainda consegue ser belo, de um GoCar feito playboy e de uma viagem que sempre quis fazer.
Festas de Outubro - Vila Franca de Xira
Ontem à noite parecia fim de ano num bar chamado Puro: houve o combo de ser véspera de feriado ao mesmo tempo que a televisão transmitia uma corrida. Esta gente andou numa excitação sem saber se devia beber copos ou comentar os toiros. Quando cheguei, lá para as onze da noite, reparei que tinha tudo os olhos postos no ecrã, virei-me para um rapaz do balcão e perguntei elá, uma toirada num bar, muito bom, quanto é que isto está?. Ele não respondeu e ficou a olhar para mim até àquele momento em que uma pessoa pensa pronto, já está, vou levar. Não levei. As raparigas do Puro são giras, acrescente-se.
Lezíria - Vila Franca de Xira
Acordei cedo. Depois do bombeiro que dormiu no meu quarto mas ainda assim cedo. Tinha uma largada para ver, curiosamente a mesma que cá me apanhou no passado ano. As Festas de Outubro começam hoje e as ruas da zona velha, a começar na estação de comboios até à Praça de Touros encaminhando a malta paralelamente ao estuário do rio, já estão cobertas de terra. O primeiro toiro foi bom, tanto que não saí da trincheira - aprendi hoje, por um Ribatejano, que não devemos usar a palavra cerca, mas sim trincheira ou, se me quiser armar em campeão, varola. Já o segundo e o terceiro não marravam. Foi isto que ouvi dos vila-franquenses: o toiro não marra. E eu devolvi, pois não pá, este toiro não marra e eu só me dou aos que marram. E como não marrava, falando agora apenas do terceiro, resolvi aventurar-me para o meio da largada. Nunca tive, na minha vida, um animal de seiscentos quilos a mirar-me, estudar-me e investir. Tenho família a dizer que investiu muito em mim mas a verdade é que nunca senti ninguém investir desta forma. Parece estúpido mas não é: olhar para um arcaboiço deste tipo a correr na minha direcção dá aquele quentinho no coração que uma pessoa sente quando está apaixonada, e a probabilidade de se magoar muito é tão grande num caso como no outro. Gravei tudo. Ou gravei tudo até ao segundo em que me apercebi que podia bem levar com ele nas pernas. Marimbei-me na câmara e comecei a correr feito cobardolas. Quando vi que estava em segurança, insultei-o. Fui um valente.
Aguentei-me por Vila Franca até o toiro ficar manso e ninguém me tira da cabeça que ele amainou com o cansaço de ter de correr atrás de mim. A estrada nacional que se faz até Salvaterra passa primeiro por Samora Correia e depois por Benavente e fica amarelada de trigo com as lezírias a perder de vista. Recebi uma proposta de compra do GoCar. Disse-lhe que o Dinis não estava à venda e que tencionava dar a volta ao país com ele. Não brinque comigo, respondeu ele. Não estou a brincar, estou mesmo a dar a volta a Portugal com o Dinis, devolvi-lhe eu. Ele foi-se embora, acho que sem acreditar.
Igreja Matriz - Samora Correia
Coreto - Benavente
Cheguei a Salvaterra e passei-a por umas horas. Fui visitar Escaroupim, esse minúsculo pedaço de história de Portugal. Apesar de pequeníssima, Escaroupim é capital de alguma coisa: da cultura avieira. Para quem está fora do assunto, a cultura avieira tem origem nas migrações de pescadores vindos da zona da Vieira de Leiria que, no Inverno, para evitar a pesca em mar alto, menos rentável e mais perigosa, se instalavam junto às margens do Tejo. Muitas vezes discriminados pelos locais, esta gente da faina construiu casas em madeira mesmo coladas às bateiras que aportavam no rio, os barcos com que pescavam sáveis e enguias. Com o tempo, possivelmente pelo custo destes movimentos pendulares de Vieria de Leiria até ao Tejo, muitos destes pescadores acabaram por se fixar por aqui. Os avieiros são apenas uma gota na cultura portuguesa mas é nestes nichos que também a ficamos a compreender. Vale a pena conhecer. Pelo Tejo, que é o sustento de muito boa alma daqui, pelas casas, de uma simplicidade que enternece, e por alguns dos licores que se provam por estas bandas, que abrasam o corpo.
A cultura avieira - Escaroupim
Pormenor de casa avieira - Escaroupim
Voltei a Salvaterra mais tarde. Estou novamente no quartel de bombeiros e ainda mal para conheci a vila. Amanhã falarei dela. Deu apenas para beber uma mini num café bem populado e em que eu era o elemento mais novo com uma diferença de uns vinte para o segundo. Vendem por cá umas pataniscas que cabem quase numa unha, mas são boas quando chegam à boca. Vou andar, antes que a noite chegue.
Bateiras no Tejo - Escaroupim
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