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Estas são conversas de um país que, estando em crise, vive apesar dela. Neste espaço fala-se de um Portugal que ainda consegue ser belo, de um GoCar feito playboy e de uma viagem que sempre quis fazer.
Vou passar à frente dos preparativos, que foram chatos e me obrigaram a pensar no que é que não me podia esquecer. Aconteceu, claro, esquecer-me de alguma coisa: a boina, companheira de sempre na minha vida de campo, e que muita falta me vai fazer. Lembrei-me dela quando a quis pôr, mal comecei a ver o Tejo a alargar à medida que seguia para jusante, ali perto da Bobadela - e que lindo nome, Bobadela. Terei de arranjar uma a partir de agora. Adiante. Falar de uma estrada que já fiz dezenas de vezes é difícil. O prolongamento de Lisboa até aqui não é bonito, nem vale a pena esconder. Mas Vila Franca, a terra do toureio a abrir portas ao Ribatejo, tem cor. As paredes de cá estão forradas com cartéis de luxo de corridas de toiros que já foram e que ainda estão para vir - para que isto não resvale para o amadorismo citadino, é importante que se diga toiro e não touro, tal como é importante que se diga corrida e não toirada ou, pior, tourada.
Há várias formas de nos apercebermos que chegámos a Vila Franca de Xira. Ou ouvimos um megafone colado ao tejadilho de um carro comercial a promover os próximos espectáculos tauromáquicos. Ou vemos campinos de barrete verde, colete encarnado e pampilho na mão a falar da festa brava. Ou damos de caras com um cartaz colado a uma estação de autocarros a fazer referência à ganadaria da família Palha, precisamente um metro depois de entrarmos na vila - e foi este o caso. Aliás, a placa informativa que nos avisa que chegámos nem está lá a fazer nada. Bastaria a referência aos Palhas para um qualquer leigo se aperceber que tinha chegado. Aqui há que parar e olhar para trás. Quem vem de Lisboa poderá não notar. Neste sítio há uma igreja que se desliga daquilo que habitualmente vemos. Tem a parede lateral ornamentada com uma pintura invulgar e que merece atenção. Vale a pena perder uns minutos a estranhá-la para depois seguir caminho.
Os bombeiros ficaram doidos com o carro. Ainda pus a hipótese de ser comigo, mas não porque assim que pus os pés fora dele, em vez de me seguirem com os olhos, continuaram a fixar o bronze amarelo torrado do Dinis - um lembrete, o Dinis é o GoCar. Deram-me cama em vez de chão. Muito agradeço, tal como o conselho que me deram para ir aos quatro bares que se alinham numa rua aqui mesmo ao lado. Lá pousarei daqui a nada. Entretanto, bebi quatro minis no bar do Grupo de Forcados local e consegui não arranjar confusão, o que é obra. Toda a gente que lá entrou, convém dizer, veio-me cumprimentar com um aperto de mão. Talvez tenha cara de forcado, é capaz de ser isso. Sei que houve dias da minha infância em que queria ser um deles, provavelmente antes de saber quanto é que eles ganhavam e também antes de me dizerem o peso verdadeiro de um toiro bravo. Foi só mais tarde, nos meus dezoito, que o meu Pai me convenceu que se calhar seguir o curso de Gestão era melhor, e mesmo assim fiquei com dúvidas que hoje me dão razão porque conheço muito bom gestor à rasca quando um forcado, acho eu, arranja logo emprego. Enfim, senti-me tão em casa naquela meia hora de testosterona que me apeteceu esquecer o futebol que estava a dar na televisão e começar uma conversa sobre o par de bandarilhas que o João Moura espetou uma vez bem no centro do cachaço do animal numa corrida que vi em Sevilha - tudo mentira: nunca vi nada disto na minha vida, mas paleio não me faltaria e a eles também não.
Amanhã, pelas dez, começam as festas de Outubro. Há largada e as ruas já têm cerca montada. Estarei lá, pronto a filmar. Olé.
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