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Qual crise?

Estas são conversas de um país que, estando em crise, vive apesar dela. Neste espaço fala-se de um Portugal que ainda consegue ser belo, de um GoCar feito playboy e de uma viagem que sempre quis fazer.



Terça-feira, 27.11.12

De Santa Comba Dão a Arganil

Casa de Salazar - Vimieiro

Rio Mondego - Tábua

 

Acabei por ir parar ao Vimieiro porque o caminho até Arganil tinha de passar por ali. No Vimieiro, se não sairmos da estrada principal, damos com a casa onde Salazar nasceu. Para quem vem de Santa Comba Dão fica do lado direito, antes de chegar à Escola Salazar. A casa está apodrecida, a milímetros de ruir. É suportada por três ferros cilíndricos que, com apoio no chão, lhe seguram parte do tecto. Há uma placa por baixo das telhas que informa ter sido ali que ele veio ao mundo. Pelo teor das palavras dedicadas, suponho que lá tenha sido colocada por admiradores e não detractores. 

Daqui para a frente notamos que o granito esmorece. Passamos à segunda fase da Beira, em que a pedra deixa de ser um bloco bruto e acinzentado para passar a uma elegante tábua lapidada e da cor da terra molhada.

É o xisto, e mais as gentes que se usam dele. 

Deram-lhes uma geografia oficial.

São as aldeias do xisto.

 

Pinhal ardido - Coja

Fonte das Moscas - Benfeita

 

Vêem-se muitas, sobretudo junto a Góis, Miranda do Corvo e Lousã. 

A rondar Arganil, poderia visitar a história do Piodão, a famosa terra que é uma cascata de casarios a discorrer vale abaixo, as da base iguais às do topo, apenas cortadas pela brancura reflectora da igreja. Tão bela e sensível que a baptizaram de aldeia presépio. 

Tinha também, aqui bem perto, a aldeia de Fajão, que se a visse me desatava um nó de saudade, e que escreveu tão bem humoradas conversas no excelente livro que é o "Os Contos de Fajão" compilados pelo Padre Nunes Pereira, a que várias vezes do ano recorro para me lembrar de como as coisas simples me fazem rir. 

Mas fui antes a Benfeita, porque para as outras duas já há recomendações suficientes. Benfeita fica enroscada na Serra do Açor. É dividida por um barulho que parece de gelo a rebolar no rio, vindo da ribeira da mata, primeiro, e da sua junção com a do Carcavão, depois. Apesar de estar no catálogo do roteiro do xisto, é talvez aquela em que menos lhe assenta o nome: as casas são, na sua vastíssima maioria, de fachada branca. Se atravessarmos as pontes até ao outro lado da aldeia, o menos povoado, e chegarmos à Fonte das Moscas, damos com a terra esticadinha ao máximo diante de nós, e em toda a sua largura é preciso procurar para lhe descobrir uma pitada que seja dessa pedra que tantas vezes é tida como bandeira de certa parte da Beira. Mas depois, num amontoado mais concentrado de moradias, avistamos a torre. Essa sim, xistosa dos pés à cabeça, e com uma interessante melodia de sinos que responde ao título do livro do Hemingway.

Quando a torre foi construída passava-se o ano de 1945 que, para qualquer concurso de memória é visto como o do fim da segunda grande guerra. Na altura, deram-lhe o nome de Torre do Salazar, embora na aldeia fosse conhecida como a de Santa Rita, por estar ao lado de uma capela que lhe presta culto. No dia 7 de Maio desse mesmo ano, dobraram-se os sinos pela primeira vez, em comemoração ao final do conflito que pôs quase metade do mundo contra quase outra metade. Aquilo pegou, e a partir daí criou-se o hábito de, nessa precisa data, se ouvirem 1620 badaladas, uma por cada dia que a Europa esteve em guerra. Depois do 25 de Abril e da reformulação de nomes que remetessem para o passado salazarista, alterou-se o seu nome para outro, muito em conta com as canções anuais que canta: a Torre da Paz. 

 

Capela de Santa Rita e Torre da Paz - Benfeita

Até Arganil - Coja

 

E finalmente, pelo mesmo caminho, vim até Arganil. O comandante informou-me que os bombeiros apenas contavam uma camarata, e que pelos vistos, na presente noite, estaria ocupada apenas por mulheres. Ainda lhe disse que estou há dois meses sem mulher e que não seria por aí, que quem se aguenta dois meses faz o sacrifício de se aguentar mais uns dias. Continuei que não contava vestir-me e despir-me à frente delas só para as atiçar mas ele deve ter notado a mentira na minha voz e confirmou que eu ficaria muito melhor fora dali. Mas foi cordato e recomendou-me outro sítio. 

Que bem me recebeu a Santa Casa da Misericórdia. Por trás do lar de idosos está guardado um bungalow que tem pele e ossos em madeira, novinho em folha, onde hoje fico a dormir. Fica no início da Mata do Hospital. A mata é o que mais há para ver. Fizeram dela uma aldeia. No meio dos carvalhos há poemas populares escritos na pedra, nomes de ruas cravados em troncos, quase avenidas com túneis de arbustos, mesas e assentos para jantares e festins de dezenas, árvores dedicadas a cada uma das Casas da Misericórdia, parques para putos desenfreados atirarem a inquietação e miradouros com bancos suficientemente pequenos para só lá caberem pares de namorados.

Não tinha qualquer dúvida antes, nem sequer fiz a viagem para o comprovar. Que Portugal tem muito mais boa gente que má, é afirmação fácil e mais que comprovada. O que não sabia, e fiquei a saber, é que se pudéssemos vender para fora uns pacotes de bondade, pelo menos aquela que temos a mais, por esta altura o superavit já teria dado cabo da dívida até ao último tusto. 

 

Bungalow na Mata do Hospital - Arganil

Banquete - Mata do Hospital

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por Ricardo Braz Frade às 22:36


1 comentário

De Ricardo Braz Frade a 28.11.2012 às 00:49

Boas a todos.

Já conhecia o site e ainda bem que me relembrou dele. Lembro-me de ter passad uma boa hora a lê-lo na diagonal e voltarei a isso nestes próximos dias.

Quanto à casa, Inês, agradeço muito, mas vou já amanhã para a Lousã. Não te sabia daqui.

Por fim, eu bem vi Luadas, cá de baixo, mas no meio das viagens, das conversas, de tanta terra, dos textos e das fotos, não consigo ir a todo o lado. Ainda assim, todos os vossos comentários estão-me guardados na memória para uma outra altura, que existirá.

Um abraço.

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